20 de fevereiro de 2007

Maria e João - uma síntese do amor

Maria Clara tinha a pele branca, tão branca que se podia ver as veias. Ela sempre vestia uns shortinhos muito curtos e as longas pernas ficavam à mostra.
João Pedro sempre via Maria Clara passar pela rua à tardinha, com uma grande bolsa vermelha, enfeitada de círculos prateados de diversos tamanhos. Maria tinha várias bolsas parecidas, mas a que mais gostava de usar era a vermelha. João ficava imaginando o que Maria levava dentro da bolsa. Imaginava como era embaixo da blusa de tecido amarela, desbotada de tão velha. Imaginava qual a cor da calcinha de Maria, com os shortinhos curtos. Imaginava a marca do shampoo de Maria, o tamanho do chinelo, a cor do lençol, e as imaginações de João se estendiam até chegar a imaginar Maria Clara escovando os dentes. Maria era o sonho de João. Maria era a comida, o ar, a razão de vida de João, que às seis da tarde já batia ponto na janela só esperando Maria descer pela ruela, os lindos cabelos cacheados, nem loiros, nem escuros, os olhos claros, uma miragem mais do que real. Os dias passavam e João cada vez mais apaixonado, obcecado, cego e louco. Sim, meus amigos, louco! Louco por Maria, pelo cheiro de Maria, pela voz de Maria, por tudo que pudesse ser encontrado nela ou retirado dela. Numa tarde, louco de paixão e encorajado por várias latas de cerveja, João correu para a rua no momento em que Maria passava e gritou: Maria, eu te amo, amo os teus olhos, a tua boca e tudo mais que existe em você! Maria, eu te vejo descer essa rua e eu sinto um negócio por dentro, Maria, eu sinto um fogo, um desejo, um carinho, um sonho, e é como se saíssem borboletas de dentro de mim, porque eu sonho graças a você e pra que eu continue sonhando eu preciso ter você ao meu lado, Maria, eu preciso de você! Maria, assustada com tudo aquilo, mas ao mesmo tempo emocionada, com tanta coisa linda, imaginava de onde aquele moço aprendeu a falar tão bonito... Largou as compras no chão, a bolsa vermelha, o coração, as veias, o sangue e todo o resto e entregou à João. Maria foi morar com João, fez das tripas coração, comeu o pão que o diabo amassou e se entregou ! Ah! Ela se entregou! Entregou a alma, meu povo, a alma! Mas passado o tempo da paixão, começava o tempo da erosão. As coisas começaram a escurecer dentro de casa. Num dia, comum como qualquer outro, escureceu a pia do banheiro. No outro, as cortinas. Em outro, a geladeira. E tudo foi escurecendo, escurecendo, até escurecer o coração de Maria. O coração de Maria ficou preto. Os olhos de Maria ficaram pretos. Os pensamentos de João ficaram pretos. Nesse dia, Maria arrumou a mala, pegou suas coisas, levou o coração, as veias, os sonhos, o sangue, a alma, os pensamentos e o amor que um dia existiu e colocou tudo dentro dela. Foi embora. Assim que ela colocou os pés pra fora tudo voltou a ficar colorido. As ruas, as flores e os pássaros pendurados nos fios de energia elétrica cantaram. Coloridos ficaram até os sonhos de João, que entendeu que nada dura pra sempre.

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