8 de janeiro de 2007

A escova

Eu acreditava em contos de fada. Ainda me custa acreditar que eles não existem, mas as circunstâncias da vida insistem em esfregar isso na minha cara, dizendo que os filmes, que as histórias, que a vida, não são doces e que eu já deveria saber disso há muito tempo. Eu acreditava em amor eterno e longos casamentos, mas não analisava os fatos: meus pais nasceram em outra época e moraram a vida inteira em uma pequenina cidade, é outro mundo viver em cidades cheias de gente, tentações e segredos escondidos pelas vielas, ruas e avenidas.

Eu acreditei em amor eterno até o último segundo, o segundo em que Pedro saiu por aquela porta cinza. Acreditei em amor eterno quando ele veio buscar suas coisas, acreditei até o exato instante em que passei a desacreditar, quando vi que naquele apartamento só estava eu, sozinha, em meio às paredes coloridas, que pintei (mais uma vez acreditando que elas trariam estabilidade a casa).

Algumas semanas após o susto eu ainda imaginava, com aquela cabeça de Poliana, que ele voltaria e tudo seria como antes, mas ele não voltou. Ele não voltou e me limitei a sair de casa apenas para ir ao trabalho. Eu fazia as compras pela internet e pagava uma moça para levar o cachorro passear.

Os filmes que eu amava passaram a me dar ojeriza. Porém, Closer, eu tinha visto uma centena de vezes e toda vez que acabava, eu pensava: “é assim mesmo, amor não existe, essa porcaria que chamam de amor nunca existiu”, talvez para me conformar com tudo que tinha acontecido na minha vida.

No maldito dia em que resolvi sair de casa, fui ao parque levar o cachorro e não podia ter sido pior: o vi com a loira azeda. Eu sabia que ela era azeda só pelo fato de ser loira. Sentei num banco, amarrei o cachorro em uma árvore e me pus a chorar copiosamente. Uma idiota. Quando cheguei em casa, me senti mais estúpida ainda pelo fato de ser uma fraca que chora ao vivo e para quem quiser ver, não pude nem esperar chegar em casa para cair no vale de lágrimas.

Ele foi embora há seis meses, mas esqueceu a escova de dentes na pia do banheiro. E eu a deixei lá, do lado da minha. Dá um conforto ficar olhando para a escova, tem dias em que passo horas olhando para ela. Tem dias que eu uso a escova, só para ver ela molhada em cima da pia e ter a sensação de que ele acabou de sair para ir ao trabalho.

O último cara que dormiu em minha casa não ligou mais, talvez por ter visto a escova no banheiro. Fico imaginando que ele pensou que eu era uma vagabunda, porque na minha pia tinham duas escovas ao invés de uma. Ou talvez ele não ligou porque eu não seja tão atraente. Será que eu não tinha me depilado direito? Será que eu estava com algum odor estranho? Será que o cachorro latindo fez ele perder o tesão? Eu não sei. Estou a um passo da insanidade. Me sinto louca com aquela maldita escova na pia. Será que daqui a cinco anos eu vou ser a mal comida que tem a escova de dentes do ex-namorado na pia, me olhando toda vez que uso o banheiro?

Já não tenho muitas certezas. O que sei é que ainda não me sinto independente o suficiente para jogar aquela escova no lixo. Nem se um dia serei.

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