Perfume

Saí apressado de casa, ainda com aquela sensação de cansaço, por ter ido dormir tarde na noite anterior. Perdi cinco quilos desde que ela me deixou e minha falta de apetite é tão igual à minha falta de amor pela vida.

A sensação que tenho é de que todo o amor que eu tinha dei para ela, que enquanto estava ao lado dela, ainda desfrutava desse amor, mas assim que ela se foi, levou tudo e me deixou insensível demais para que pudesse perceber qualquer coisa.

O sinal demora para abrir, o que me dá mais um tempo para a distração demorada que temos com aquelas coisas que não saem da nossa cabeça (no meu caso, ela).

Ela nunca saiu de minha cabeça e isso tem me dado vários problemas, como por exemplo, no trabalho. A distração faz parte de todo o meu dia, acabo perdendo prazos e esquecendo de coisas. Sei que não vai durar muito até que me mandem embora.

Oh, droga!! Por que é tão difícil tirá-la da cabeça? Por que toda vez que penso nela não consigo odiá-la por ser a vaca que ela é? Porque é isso que ela é: uma vaca. E começo a achar que essa era uma característica nata dela, um potencial de nascença, impossível de ser mudado.

Tristes pensamentos... Enquanto subo as escadas, cumprimento alguns colegas e sento-me em frente ao computador. Precisava colocar algumas coisas em dia, mas a única coisa que coloco em dia são meus pensamentos em torno dela. Como não percebi que ela era uma promíscua? Com aqueles piercings todos, aquele cabelo vermelho e a risada... Quando ela ria, com a boca vermelha, em alto e bom som, dava para perceber que era daquelas vadias alegres que dão risada de qualquer coisa. Mas eu não percebi nada. E as roupas ordinárias que ela usava? Os vestidos curtos, decotes enormes e eu, um corno conformado, nem reparava naquele furor todo, afinal, todas minhas dúvidas se desmanchavam após uma boa noite de sexo. Depois de gozar, acreditava que ela era a melhor mulher do mundo: linda, inteligente e bem-humorada.

Organizei algumas coisas pendentes e saí. Resolvi passar na farmácia e comprei um antigripal, afinal, desde que parei de comer minha saúde está favorável à entrada de qualquer vírus no meu organismo, estou um lixo. Passo os dias sonolento, de cama, fumando e pensando nela. Por que é tão difícil assim? Sempre superei todos os fins que tiveram meus relacionamentos, menos esse... Ela povoa meus pensamentos, meus sonhos, meus pesadelos e minhas punhetas diárias são para ela. Não consegui dormir com mais ninguém depois dela.

Atravesso a rua e passando por um restaurante que costumávamos freqüentar, não me contenho e resolvo entrar. Sento em uma das mesas, peço o cardápio e observo. Não sei direito o que comer, não sei se tenho fome, parece que eu só queria mesmo lembrar do lugar, sentar na mesa, ver as cadeiras...

A verdade é que por mais vagabunda que ela fosse, talvez eu fosse ligado a ela de alguma maneira. Eu gostava dela, essa é que é a verdade. Com todos os defeitos que ela tinha, eu gostava dela e não é difícil perceber, pois os porta-retratos estão todos no mesmo lugar, eu não consegui rasgar fotos, nem jogar presentes fora como muitos fazem.

Li o cardápio, lembrei de bons momentos, levantei e fui embora. Não gostaria de sentir a tristeza de não poder voltar ao passado.

Já em casa, abri o guarda-roupa e fui procurar o que já sabia onde estava: uma camiseta que ela esqueceu e que guardei, para sentir o perfume, que percebo já estar acabando. Se eu soubesse a marca do perfume compraria um frasco para poder ficar cheirando. Se eu pudesse, deixaria de comer, deixaria de trabalhar, nunca mais sairia de casa, só para ficar sentindo o cheiro dela.

Tem sido difícil e nunca mais tê-la visto me deixa curioso em saber qual a cor de tinta que ela está usando para pintar os cabelos agora, se ela colocou mais algum piercing, se fez mais alguma tatuagem, se ainda faz faculdade ou largou por puro capricho infantil ou porra-louquice.

Deito-me com a camiseta nas mãos e fico cheirando, até não conseguir sentir mais nada e dormir, como todos os dias anteriores, desde que ela se foi...